6.07.2011



FEMINAE


todo o mês perde-se meu mel
todo o mês o mesmo gosto de fel
mamãe, vovó, me ajudem
me ensina como eu devo me portar
minha vida desce a ladeira
e eu tenho ânsia de me matar
me mostra como eu devo fazer
me mostra como eu posso escapar
"aos cinquenta tem nova fase do inferno"
ah, então só me resta fingir
ah, então só me restar ferir
Dora, minha querida, me diz como eu posso suportar
Núbia, minha bela, me diz como eu posso continuar
ninguém entendeu nem nunca vai entender
ele não me compreende nem nunca compreenderá
meu pessimismo mordaz prosseguirá sem solução
minha agonia loquaz perdurará sem afeição
ei, me entende, me dê a mão
eu não faço isso por mal
Dora, querida, como eu queria te ter nos braços
então trocaremos de papel: eu que te pego no colo
sem medo, faminta, histérica
que eu morro de saudade e de desejo
de provar da mamadeira cheia de açúcar
de tocar nos seu cabelos curtos e finos
só eu e você temos o poder
só eu e você temos o direito
de gritar e morrer e matar
de implorar perdão pelos caminhos singelos de Vênancio
e eu sei que ele não te entendia
e te chamava de fria, seca e arredia
mas a verdade, minha Dora
é que ele não podia te amar
eu sim, eu te amo com a toda a minha fibra
eu sim, eu te trarei por toda a minha vida
seu silêncio eu respeito e compreendo
que não é fácil o viço ir perdendo
a mocidade, o brilho, a rebeldia
de quem tão nova foi entregue e feita mulher
mas só eu sei o que você sempre quis e ainda quer
lá onde você agora corre, dança, transita
porque ele não sabe nem nunca vai saber
o que é o gosto de fel, o que é ter de perder
o brilho, o gosto, a vontade
o que é ter, de a todo o momento, escapar à realidade
eu te amo, minha Dora
e sempre vou te amar
e agora você pode chorar e me assustar
pois eu era pequena e ainda não entendia
mas agora eu cresci e sei o que você perdia
agora eu sei como é duro e cruel
que todo mês, vai-me o gosto do mel
que todo mês, sou uma célula única, uma vespa-do-mar
incapaz de contato, incapaz de continuar
e ele não entende nem nunca vai entender
que muito além de vaginas somos o próprio inferno a arder
é por isso que muitas vezes já na face se denuncia o rubor
daquela que sempre derrama sangue e marca encontro com a dor
mas uma coisa nunca se poderá anunciar
que eu e Dora, não sabemos amar.


2 comentários:

  1. Lembrei Sylvia. E, lembrei Dora na fotografia que fazia intuir todo esse universo compartilhado num silêncio sabido entre as duas. Coisas que você aprendera então, sem saber. Coisas que fatalmente germinariam.

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